Sinalização de emergência: certificação, treinamento e o foco em projetos são as saÃdas, para o problema da precariedade destes sistemas no Brasil
18/03/20 08h07
A segurança contra incêndio tem como objetivo primário evitar o início de incêndio. Quando a proteção passiva contra incêndio não é suficiente, as pessoas treinadas devem combater o início do incêndio, e os sistemas de saída e sinalização de emergência devem garantir aos usuários da edificação o abandono de maneira segura e organizada. Após a falha do sistema de proteção passiva e o começo de um evento de incêndio, para o usuário comum de uma edificação, que não tem treinamento de combate a incêndio, o sistema de saída de emergência e o sistema de sinalização de emergência são essenciais para o abandono da edificação. Quiçá, por trabalharmos diariamente com a proteção contra incêndio, acabamos deixando de pensar como usuários da edificação, e acabamos ignorando a importância de determinados sistemas que são vitais para o abandono da edificação.
Em uma situação de emergência, os usuários da edificação devem realizar o abandono desta em tempo hábil e por locais seguros, para isto é preciso sinalização adequada e em conformidade com as normas vigentes. A ABNT NBR 13.434 padroniza as cores, pictogramas, fontes empregadas nas letras, cores de segurança, fotoluminescência e outros requisitos para garantir o desempenho do produto quando houver necessidade de uso, podendo ser em uma situação de incêndio onde ainda há iluminação na edificação, ou quando também ocorre queda de energia da edificação durante o incêndio.
PESQUISA
Em uma avaliação realizada pelo LSFEx (Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões), do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) ao longo dos últimos anos, foram vistoriados os sistemas de segurança contra incêndio de 200 edificações, incluindo os sistemas de sinalização de emergência. O resultado obtido é espantoso; observou-se que, praticamente, em todas as situações vistoriadas os sistemas de Orientação e Salvamento são inadequados e, em algumas situações, chegam a ser conflitantes. Observou-se que, em grande parte das edificações, as sinalizações não existiam, além de não poderem ser visualizadas frontalmente ou com obstáculos que impediam sua visualização.
Além do não atendimento às condições de visualização, conforme requisitos estabelecidos na ABNT NBR 13.434 que estabelece critérios para os sistemas de Sinalização de Emergência, vários aspectos de não conformidade foram observados nas sinalizações das edificações vistoriadas. Entre estes requisitos destacam-se: fotoluminescência insuficiente, pictogramas que não estão em conformidade com os estabelecidos pela Norma ABNT NBR 13.434, cores e grafia incompatíveis com os requisitos desta norma, inflamabilidade e baixa qualidade dos substratos empregados na sinalização.
A condição necessária de visualização frontal da sinalização, conforme estabelecida pelas normas técnicas, foi encontrada em apenas duas edificações vistoriadas, as demais apresentavam sinalizações que não atendiam aos requisitos de posicionamento e dimensionamento. É muito comum no mercado de sinalização o uso de sinalizações com medidas subdimensionadas, isto é palpável para qualquer empresa que trabalha com sinalização, já que o grande volume de venda destas empresas é de sinalizações pequenas, que atendem entre seis a nove metros de distância de visualização. Estas medidas de sinalizações normalmente atendem aos requisitos de dimensionamento em salas e escritórios, porém são comumente utilizadas em grandes pátios industriais de maneira subdimensionada.
IRREGULARIDADES
A fotoluminescência é um fator prioritário para o uso da sinalização de emergência. Algumas destas sinalizações são mais utilizadas a fim de evitar o princípio de incêndio, ou seja, em situações corriqueiras e que há iluminação na edificação. Em caso de fumaça ou queda de luz, a fotoluminescência é fundamental para que seja possível o abandono da edificação de forma segura, utilizando-se das sinalizações de orientação e salvamento. Também são de extrema importância as sinalizações de equipamentos de combate a incêndio e alarme, permitindo a localização e uso destes sistemas. A sinalização de emergência e luminárias de emergência devem ser implementadas em conjunto, funcionam em sincronia e se completam. Todos estes sistemas, se projetados e aplicados corretamente, irão garantir o abandono seguro da edificação.
O estudo do LSFEx coletou mais de uma centena de sinalizações nas edificações vistoriadas e realizou ensaios laboratoriais no IPT, conforme Parte 3 da ABNT NBR 13.434, para verificar o atendimento aos requisitos de fotoluminescência destas sinalizações. Para a realização dos testes, as sinalizações passaram por um período de 48 horas protegidas por qualquer tipo de radiação. Após este período, as sinalizações foram expostas à radiação de uma lâmpada de xenônio por um período de cinco minutos. Em seguida, as sinalizações foram inseridas em uma câmara escura onde foram efetuadas as medições dos valores de luminância. Observou-se que a maioria das sinalizações não atendiam aos requisitos normativos, e sequer chegavam à metade dos valores mínimos exigidos.
Outra não conformidade que é comum ao mercado são sinalizações que não atendem aos requisitos de não propagação de chamas. Tais requisitos são abordados na Norma ABNT NBR 13.434 e nas instruções técnicas do Corpo de Bombeiros de diversos estados da federação. O ensaio de propagação de chamas não foi realizado pelo LSFEx, mas no mercado brasileiro grande parte dos produtos comercializados utilizam substratos que propagam chamas e também não atendem às normas técnicas neste requisito.
Percebe-se claramente que além do atendimento aos requisitos de fabricação de produtos, é necessário o foco em projetos para evitar a instalação e uso incorreto das sinalizações de emergência. Se fossem utilizados projetos de sinalização de emergência na aplicação e na manutenção dos sistemas de sinalização, as falhas de instalação apontadas pelo levantamento do Laboratório de Fogo e Explosão do IPT seriam muito menores, se não inexistentes.
CERTIFICAÇÃO
Para garantir o atendimento dos produtos aos requisitos normativos, é de extrema importância o uso de produtos certificados por terceira parte. O produto certificado apresenta uma garantia adicional de qualidade, já que uma organização independente avaliou os produtos e processos do fornecedor, exigindo o atendimento de todos os requisitos estabelecidos na norma. Em alguns estados da Federação o Corpo de Bombeiros já exige o uso de produtos certificados em suas normas técnicas, antes com respaldo de leis estaduais, e desde 12 de julho de 2019, com o Modelo Nacional de Regulamento de Segurança Contra Incêndio e Emergências, conforme portaria nº 108 do Ministério da Justiça e Segurança Pública. É de extrema importância para a segurança dos usuários de uma edificação que a exigência de produtos certificados se amplie para todos os segmentos e para todos estados do Brasil. Como foi constatado pelo estudo do LSFEx, a grande maioria das sinalizações de emergência no Brasil não atende aos requisitos mínimos exigidos por norma, e a única maneira de melhorar este cenário é com obrigatoriedade de sinalizações certificadas e projetos de sinalização de emergência.
As tragédias do Gran Circo Norte Americano, Andraus, Edifício Joelma, Boate Kiss, entre outras, e os pequenos incêndios que deixam vítimas por todo Brasil, mas que não são divulgados por serem de pequeno porte, não podem se repetir por omissão tanto das entidades públicas quanto das entidades privadas. É espantoso, após um caso de incêndio de grandes proporções, o foco que se dá a determinado tipo de edificação envolvido. Por exemplo, quando houve o incêndio da Boate Kiss, foram vistoriadas as boates, quando houve o incêndio do Museu Nacional, foram vistoriados os museus. Não é necessária tanta expertise na área para saber que o problema está em todo o tipo de edificação, e que devemos olhar de forma abrangente todos os problemas encontrados no segmento de segurança contra incêndio.
A ineficácia dos sistemas de sinalização de emergência no Brasil pode ser revertida com conscientização, treinamento dos profissionais da área, foco em projetos e obrigatoriedade de produtos certificados por terceira parte. Não esquecendo nunca da moral e da ética, não trocando o que é certo pela estabilidade financeira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CORPO DE BOMBEIROS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Saídas de Emergência - Instrução Técnica nº 11. Secretaria do Estado dos Negócios da Segurança Pública. São Paulo, 2018.
CORPO DE BOMBEIROS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Sinalização de Emergência - Instrução Técnica nº 20. Secretaria do Estado dos Negócios da Segurança Pública. São Paulo, 2018.
ESTADO DE SÃO PAULO, DECRETO Nº 56.819, DE 10 DE MARÇO DE 2011. Institui o Regulamento de Segurança contra Incêndio das edificações e áreas de risco no Estado de São Paulo e estabelece outras providências. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 10 de março de 2011. CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: < http://www.corpodebombeiros.sp.gov.br>.
IPT (Instituto Paulista de Tecnologia).
LSFEx (Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosão) – Antonio Fernando Berto, Deives Junior de Paula, Ivan Faccinetto Böttger.